Entrevista com Mário Persona
Fui
entrevistado pelo Jornal Exclusivo para uma matéria sobre atendimento no varejo
e como lidar com clientes insatisfeitos. A íntegra da entrevista você encontra
aqui.
P.
Como reverter um caso de insatisfação do cliente?
Mario
Persona - O melhor mesmo é trabalhar com previsibilidade e uma análise crítica
do atendimento para evitar chegar a uma situação de insatisfação por parte do
cliente. Mesmo assim é impossível prever tudo e eventualmente encontramos algum
cliente insatisfeito. Quando isto acontece, é preciso primeiro isolar a
insatisfação para evitar criar outra por mera falta de percepção. A
insatisfação foi com o produto? O atendimento telefônico? O atendimento
presencial? O preço? O pós venda? Todas estas são perguntas que devem ser
feitas internamente para diagnosticar o problema.
É
comum descobrirmos que aquilo que detectamos inicialmente como insatisfação do
cliente era apenas uma desculpa para não comprar ou para devolver por motivos
que o cliente não queria admitir que eram de foro pessoal. A situação é
parecida com aquela em que entregamos um prospecto para alguém e a pessoa não
pega alegando ter esquecido os óculos, quando na verdade o problema é de
analfabetismo.
P.
O cliente tem sempre razão?
Mario
Persona - Nem sempre, pois ele pode tentar esconder as verdadeiras razões de
não comprar ou devolver algo simplesmente para não admitir que mudou de ideia.
Mas devemos sempre tratá-lo como dono da razão e assumirmos sempre a culpa por
eventuais transtornos. Afinal, se não conseguimos atendê-lo a contento é porque
falhamos em algum ponto, ainda que seja o de não cativá-lo o suficiente ou
exceder suas expectativas.
A
comunicação é importante quando encontramos uma situação de insatisfação.
Devemos nos colocar na pele do cliente e procurarmos pensar como ele,
perguntando sempre: "O que é importante para ele, não para o meu
negócio?". É comum, em situações de insatisfação, começarmos a promover as
especificações de nosso produto ou serviço sem nos darmos conta de que não são
especificações que o cliente busca, mas os benefícios que serão percebidos por
ele. Por exemplo, quem compra um carro pode estar mais interessado no status
que aquele modelo dá do que na potência do motor ou na segurança do air bag.
P.
Qual a postura ideal de um vendedor frente às dificuldades que podem ocorrer no
dia a dia de uma loja?
Mario
Persona - Como disse, primeiro deve tentar identificar a causa da insatisfação.
Geralmente o vendedor perdeu um passo importante no processo de aguçar a percepção
do cliente para os benefícios que ele procurava, o que o deixou incerto quanto
a comprar ou não. Se os benefícios não foram devidamente explorados, o preço
sempre parecerá alto demais ou as especificações aquém do que o cliente busca.
Veja
que em ambas as situações não é nem o preço e nem as especificações que ele
quer, mas o que vai ganhar com a compra em termos de valor percebido. O preço é
o risco que ele se propõe a correr ao pagar por algo que lhe trará benefícios
que são apenas promessas na hora da compra. As características do produto são
apenas os meios para a obtenção dos benefícios. Dou um exemplo extremo: ninguém
paga por uma injeção por gostar da seringa, da agulha ou do medicamento que é
injetado. A pessoa paga pelo prazer de se ver livre da doença.
P.
Quais os principais motivos que podem causar a insatisfação dos clientes?
Mario
Persona - Risco real, que é o quanto ele irá efetivamente pagar, e risco
imaginário, que é o que ele imagina que irá perder se o produto não oferecer na
prática tudo o que o vendedor prometeu. Estes são dois motivos para o cliente
abortar uma compra. Ambos podem ser amenizados por um bom processo de venda
focado em benefícios.
Quando
colocado diante desses dois riscos - o de perder dinheiro e o de não obter o
que procura - o cliente pode passar a fazer objeções verdadeiras ou falsas.
Quem vende precisa saber identificar uma da outra. A verdadeira é aquela
sincera, que pode ser vencida com informação de qualidade. A segunda é apenas
desculpa para não comprar. Quando o vendedor consegue superar uma, logo surge
outra.
Por
exemplo, o cliente alega que vai pensar e passará mais tarde e o vendedor
oferece que ele leve o produto para pagar depois. Aí o cliente então alega que
não trouxe uma sacola, para o que o vendedor oferece uma, e ele parte para a
desculpa de que precisa pegar na creche seus filhos gêmeos e não terá mãos para
a sacola. Deu para perceber que a história nunca irá terminar, não é mesmo.
Este é o tipo de cliente que decididamente não irá comprar, e se comprar por
excesso de técnicas persuasivas, poderá se arrepender depois e dar trabalho
para devolver.
P.
Como o vendedor de agir quando ocorre algum problema no final da venda, como
por exemplo, a queda no sistema de pagamento?
Mario
Persona - Quem vende deve ter sempre em mente que a venda é o que sustenta o
negócio. O estabelecimento deve ter um "Plano B" para situações assim
para evitar perder a venda. Se existir a possibilidade do sistema cair, o
vendedor deve fazer o possível para "amarrar" a venda e facilitar ao
máximo para o cliente. Dependendo do negócio, é possível usar outra forma de
pagamento ou até mesmo fazer a cobrança posterior, desde que sejam tomadas
garantias no momento da compra ou da entrega do produto.
Não
faz sentido todo o esforço de venda para simplesmente deixar o cliente sair de
mãos abanando por uma falha no processo interno da empresa. O estabelecimento
deveria incluir esta possibilidade em sua estratégia de venda para ter
condições de transformar um aborrecimento em diferencial. Um dia uma farmácia
não tinha em estoque o que eu estava procurando, mas o balconista se desdobrou
em conseguir o produto em outra farmácia e garantiu a entrega a domicílio em
poucos minutos. Não tive como não aceitar sua proposta e até me senti devedor
ao estabelecimento, voltando a comprar lá outras vezes por conta daquela
gentileza em resolver meu problema.
Um
cliente insatisfeito por alguma falha do estabelecimento pode não representar
apenas a perda daquela venda, mas de muitas outras que viriam depois. Uma
balconista incapaz de realizar um estorno em meu cartão de crédito quando fui
devolver um produto com defeito queria devolver o dinheiro debitando do valor a
taxa que a loja pagaria à operadora de cartão.
Fiquei
surpreso com tamanha falta de tato da funcionária e do gerente que a instruiu a
fazer assim na minha frente. Eles não consideraram que o defeito do produto era
de responsabilidade deles, bem como a falha no sistema de cartões para fazer o
estorno. Também não ligaram para o fato de eu já ter gasto tempo e dinheiro
para voltar à loja para devolver o produto. Só consegui fazê-los mudar de ideia
ao mostrar que estavam perdendo um futuro cliente por causa de míseros 2 reais,
que era o valor da taxa da operadora naquela compra. Bem menos do que custou
meu retorno ali.
P.
Que tipo de treinamento deve ser dado à equipe de venda no que se refere a
reconquista do cliente?
Mario
Persona - Toda a equipe deve ser treinada e passar por reciclagens constantes
para não caírem no hábito de atender por obrigação ou em modo automático. Cada
venda é uma situação particular que exige muita criatividade e atenção, mas é
fácil nos acostumarmos com o processo e passarmos a fazer tudo automaticamente,
sem muito interesse. Para quem vende pode parecer que a gratificação por aquela
venda é coisa pouca, mas cada uma irá pesar na balança no fim do mês.
Além
disso, aquilo que parece uma venda banal para o comprador, não é uma compra
banal para o cliente. Pode tanto ser a realização de seu sonho de consumo, como
simplesmente os fósforos que irá usar para o churrasco com amigos. A compra
sempre é importante para quem compra, e a venda deve ser sempre importante para
quem vende.
P.
Na sua opinião, é possível reconquistar o cliente? Como?
Mario
Persona - O primeiro passo é sempre admitir a falha ou ao menos comunicar assim
mesmo que ela não seja do vendedor. Por exemplo, ao invés de eu dizer ao
cliente que liguei, mas ele não atendeu, devo dizer que tentei ligar e não
consegui falar. Ao invés de dizer ao cliente que ele não entendeu a explicação
que dei sobre o funcionamento do produto, devo dizer que não me expressei bem e
não consegui explicar corretamente como este funcionava. Eu devo sempre trazer
para mim a responsabilidade de alguma falha ou insatisfação, procurando ao
máximo criar no cliente uma sensação de dívida para comigo.
O
balconista da farmácia que mencionei conseguiu isso por ter ido além e
conseguido resolver meu problema. Mesmo que aquilo não representasse o mesmo
ganho para ele caso tivesse o produto em seu estoque, ele acabou ganhando nas
compras seguintes que fiz e farei ali. A ideia é essa: reverter a insatisfação
em um sentimento de dívida por parte do cliente para que ele se sinta
constrangido a voltar a comprar de mim.
Um
cliente insatisfeito pode sair do estabelecimento com o sentimento de que o
vendedor ficou devendo para ele ou que ele ficou devendo para o vendedor. É
preciso buscar sempre esta segunda situação.
Mario
Persona é consultor, escritor e palestrante.